Quinta-feira, 21 Novembro, 2024
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BELAS MEMÓRIAS: Quem espera por sapatos de defunto

Por Anabela Massingue
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“QUEM espera por sapatos de defunto morre descalço”, diz um provérbio português muito conhecido, que é uma verdadeira lição de vida. Conheci-o na forma lírica, na voz do saudoso músico moçambicano, Avelino Mondlane.

Custou entender a mensagem, até que muito tempo depois, sem encontrar explicação, tive oportunidade de ler e saber interpretá-lo. Entendi que é uma advertência para aqueles que ficam à espera dos resultados da luta dos outros, sem se esforçarem para ter património próprio.

Provavelmente haja muitos que o fazem ou que sempre o fizeram, mas que nunca deixavam transparecer tal pretensão. Agora, com a inversão de valores, aliada à tendência pela vida fácil e menos esforço, somos dados a descobrir que, infelizmente, em muitas famílias, existe quem não faça nada na vida, à espera que alguém construa um património, modesto ou não, e parta desta vida para a melhor, de modo a usufruir do que o finado tiver deixado.

Uma das revelações dessa faceta que ilustra quão o tecido social está mesmo degradado é a onda de assassinatos, com parte dos praticantes do crime a confessarem que o fizeram porque pretendiam ter os bens, sobretudo habitação.

Recentemente, pude ler comentário de alguém em relação à recém-lançada obra do jurista e docente moçambicano, Manuel Didier Malunga, intitulado “Dignidade e Direito: Contando histórias sociais pelo filtro das Leis”. O autor do comentário fazia uma chamada de atenção à juventude, para abandonar o hábito de esperar por aquilo que os seus pais construíram e lutar pelos seus próprios sonhos, para evitar frustração na vida.

Nestas linhas aproveito abrir um parêntese para felicitar o autor da obra pois, na sua intervenção social conseguiu, como fez questão de referir, retirar as leis dos armários e colocá-las na vida social. Tomara que elas sejam consumidas por todos nós, sem excepção, pois sempre nos confrontamos com realidades, cuja resposta está nas leis, mesmo sem nos apercebermos.

Numa família amiga, cujo nível de afinidade me deixa confortada como se estivesse na minha própria, pude acompanhar algo triste sobre a forma como a matriarca tinha partido para o além, numa passagem atípica, precipitada por um dos netos a quem ela depositava muito carinho.

A idosa era proprietária de uma grande extensão de palmar, cuja gestão era somente da sua responsabilidade, desde que o seu esposo perdeu a vida.

De um lado estavam os netos, com hábitos urbanos, em que tudo se resolve à base do dinheiro, muitas vezes fácil. Do outro estava a anciã, dona da propriedade que construiu durante anos com o seu esposo.

Ela pautava pela preservação da natureza e no palmar os frutos eram colhidos somente ao atingir o ponto de maturação. Ninguém ousava colher o coco, antes do tempo pois ela nunca o permitia.

Mas a cidade mostrava aos seus netos que o lanho tinha para além das propriedades nutricionais que a ciência vem revelando, também o valor comercial, jamais tido em Inhambane porque a avó nunca o permitiria.

Aí gerava-se um conflito de interesses entre os netos e a avó. Dada a renitência da última, a única solução para o filho do ventre do seu ventre, era retirar a avó do mundo dos vivos, porque o palmar, esse, daria uma boa “bolada” , na sua ausência.

Foi assim que a anciã partiu para junto do pai celestial, pois esperar que a natureza se encarregasse já não estava a dar para a urgência que o neto tinha pelo dinheiro. Foi um neto de quem todos esperavam honestidade, mas que a ganância tornou-lhe um monstro, assassino, portador da desgraça, temido pelos restantes membros que não comungam dos mesmos ideais. Ele ganhou a cadeia como seu novo domicílio, tudo porque na vida relaxou de olho na propriedade alheia.

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