Terça-feira, 5 Novembro, 2024
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DA CONSULTA À GRAMÁTICA: Me parece que algo vai mudar! 

Por Jornal Notícias
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Delfina Mugabe

OS últimos dias têm sido caracterizados por debates intensos sobre o futuro de Moçambique, uma altura que os partidos políticos já começaram a indicar os seus candidatos à função de Presidente da República, em substituição de Filipe Nyusi, que conduziu os destinos deste país durante dez anos. Os debates acontecem quer seja por meio das televisões, quer seja das redes sociais ou de boca em boca, entre colegas, amigos ou parentes: Moçambique quo vadis!

Numa dessas ocasiões, o leitor que esta semana contactou “Da Consulta à Gramática” leu a seguinte expressão: “me parece que algo vai mudar” e pretende saber se esta construção frásica está correcta na linguagem culta.   

A estrutura normal da construção frásica em língua portuguesa é SVO, o que significa que o primeiro elemento é o sujeito, seguido do verbo e depois o objecto. Isso significa que é expectável encontrar frases formuladas desta forma. Por exemplo:

– A Mónica foi ao trabalho (A Mónica = sujeito; foi = verbo conjugado no pretérito perfeito; ao trabalho = objecto indirecto);

– Os meninos gostam de balões (Os meninos = sujeito; gostam = verbo no presente do indicativo; de balões =objecto indirecto);

– A Frelimo vencerá as eleições em Outubro (A Frelimo= sujeito; vencerá = verbo no futuro do indicativo; as eleições = objecto directo; em Outubro = advérbio de tempo).

Além desta ordem dos elementos da oração, a língua portuguesa admite, também, que se inicie a frase com o verbo, seguindo depois os outros componentes (objectos). Vejamos alguns exemplos: 

– Cheguei hoje de Cabo Delgado;

– Vivíamos naquela casa com os meus pais;

– És muito lenta, ainda não concluíste esse trabalho! 

Nestes três exemplos, embora o sujeito não seja explícito, ele existe e pode ser identificado por meio da desinência verbal (Cheguei = eués = tu; vivíamos = nós). Portanto, a ordem das palavras nestes exemplos é VO, mas o S é representado pelos pronomes pessoais (eu, tu, nós).  

A gramática indica que os pronomes pessoais do caso recto “eu, tu, ele/ela, nós, vós, eles/elas” têm a função de sujeito ou predicativo do sujeito.  Exemplo: Elechegou cedo do trabalho; s vamos à praia; tu já fizeste os deveres escolares? Elas ainda não comeram nada hoje! Vós sabeis que é proibido nadar nessa zona?

A gramática refere-se, ainda, aos pronomes pessoais do caso oblíquo que podem ser átonos ou tónicos, cuja função é de complemento verbal ou complemento nominal. São, dentre outros: (me, mim, comigo; te, ti, contigo; o, a, se, lhe, lhes, convosco, entre outros). Exemplo: 

– Eu não me preocupo com isso;

– Samuel, vens connosco à praia?

– Espero por ti amanhã na escola;

– O pai deu-lhe uma bola pelo dia 1 de Junho.

Neste sentido, a frase “me parece que algo vai mudar” não está, gramaticalmente, bem formulada: o pronome oblíquo “me” foi deslocado do seu lugar de objecto, depois do verbo, para o do sujeito, antes do verbo. A forma correcta é “parece-me que algo vai mudar”. Para que seja deslocado do seu lugar era necessária a presença, por exemplo, do pronome relativo “que” ou advérbio de negação “não”.

Contudo, para a linguagem oral esta expressão poderia passar despercebida, mas na escrita é difícil não notar este desvio à norma.

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