Quarta-feira, 18 Setembro, 2024
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BELAS MEMÓRIAS: A influencer Bety

Por Jornal Notícias
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NÃO dá para acreditar, mas foi mesmo assim. Ninguém ficou alheio ao casamento da Bety, a “influencer” (influenciadora) da aldeia de Nhametane, localizada entre as montanhas de uma das vastas zonas costeiras de Gaza. A povoação “mexeu-se literalmente”.

Na verdade, cada habitante quis ter um papel na organização do evento que não deu campo para ciúmes das ditas moças encalhadas, nem das mal-amadas e, muito menos, das que experimentaram, deram-se mal e regressaram à precedência. A alegria era enorme ao saber que a menina exemplar lá da aldeia de Nhametane ia honrar os seus pais, saindo do seio familiar como mandam as regras costumeiras.

Muito cedo a jovem distinguiu-se, dando catequese. Inspirou as que antes não tinham visão sobre a importância de estudar e era motivo de orgulho não somente na família, como também na comunidade.

Na sua aldeia não havia ninguém, mesmo entre os adultos, que teria desempenhado o mesmo papel. Enquanto as meninas da sua idade se identificavam com a enxada, trabalhos caseiros e divertiam-se com danças, ela foi diferente.

Parecia tratar-se do roteiro desenhado por um produtor de cinema, com tudo para dar certo e animar a audiência. A Escola estava distante da sua zona residencial, maioritariamente de casas dispersas, onde o vizinho mais próximo não se encontrava a menos de um quilómetro. Para o alcançar, passava-se por machambas, currais de cabritos, porcos, bovinos, pomares e, nalguns casos, embora poucos, palmar. Este era sinal de riqueza.

Muitas raparigas percorriam esta distância quer para trabalhos domésticos, quer para brincar. Bety tomava rumo inverso, galgando montanhas não em busca de amigas para brincar. Percorria essa distância com destino a uma escola, lá na missão católica.

Os frequentadores da escola eram maioritariamente do sexo masculino. As raparigas eram pouquíssimas. E estas não eram sequer da zona de origem da Bety. Iam de tão longe, lá onde alguma luz sobre o valor da escola tinha iluminado as mentes de seus pais, o que não acontecia em Nhametane.

Foi com elas que a Bety forjou amizade, ao ponto de se deixar influenciar pela iniciação na infância missionária. Embora vivendo longe, abraçou o desafio de, aos sábados, juntar-se às colegas e desta forma valorizou os estudos e levou os missionários à sua pacata aldeia.

Eles expressavam-se na língua portuguesa e Bety se encarregava pela tradução para a língua local: Xichangana. Enquanto a comunidade ficava boquiaberta, a sua mãe não parava de derramar as lágrimas, ao mesmo tempo que as enxugava com pontas da sua capulana.  

A emoção não era por acaso. Estava perante um caso raro e único na aldeia, em que uma adolescente quebrava os costumes locais e mostrava, sem receio, a capacidade feminina que em muitas está embrulhada em tabus e mitos.

Formada com sucesso em professorado, Bety regressou à aldeia numa altura em que iniciava o movimento de introdução ao ensino formal, marcado pela abertura da primeira escola primária local, que formava também os adultos.

Porque os professores e formadores iam de muito longe, Bety acabava assumindo as rédeas enquanto eles não chegavam à povoação. Em muito pouco tempo, já não lhe faltavam seguidoras. Estudar entrou na moda em Nhametane e o rosto dessa mudança era, sem dúvidas, a Bety, não a menina da família Cossa, mas a professora da aldeia.

No dia do seu casamento ninguém quis ficar de fora. Foi numa altura em que se acolhia a todos os interessados entre os convidados e curiosos. A enchente foi tal, pois a notícia deste evento correu rapidamente como se fosse na actual era das Tecnologias de Informação e Comunicação.

Afinal, lá também era possível ter “influencers” e seguidores sem nenhum dispositivo electrónico.

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