Quinta-feira, 21 Novembro, 2024
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CÁ DA TERRA: Porcos não podem voar

Por Jornal Notícias
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ESTE fim-de-semana, no intervalo entre os anúncios dos vencedores das eleições de quarta-feira última, retive-me por instantes a vasculhar os livros, entre os muito velhos e novos, tendo em vista uma melhor arrumação. Não é que achei engraçado encontrar o que resta de um pequeno livro de estórias infantis, daquelas que já não se acha por aí e talvez até não há quem use para a sala de aulas como acontecia antigamente.

Por tão interessante que me pareceu, dada a riqueza dos contos tradicionais africanos, como é o caso do “O porco e o milhafre”, dois inseparáveis amigos. O porco invejava as asas do milhafre e insistia continuamente com o amigo para que lhe arranjasse umas iguais para voar também.
O milhafre dispôs-se a fazer-lhe à vontade. Conseguiu arranjar penas de outra ave e, com cera, colou-as nos ombros e nas pernas do seu amigo porco. Este ficou radiante e começou a voar ao lado do seu amigo.
Quis acompanhá-lo até às grandes alturas, mas a cera começou a derreter-se com o calor e as penas foram caindo uma a uma. À medida que as penas se despegavam ía o porco descendo, contrariado. Quando as penas acabaram de se soltar o porco caiu e bateu no chão com o focinho. E com tanta força bateu, que este ficou achatado.
Zangou-se o porco com o milhafre, dizendo que tinha querido matá-lo, porque grudara mal as asas.
Desde essa ocasião deixou de ser amigo do milhafre e quando o vê pairar no alto dá um grunhido e olha para ele desconfiado. E aqui está a razão por que o porco tem o focinho achatado e nunca mais quis voar.

Fiz as contas e vejo à minha volta muitos dos meus com o comportamento de porco, querem voar mas não têm asas e têm tendência de sempre culparem os outros pelas suas desventuras.

Clarifico desde já que esta referência ao suíno e às asas de cera nada tem a ver com  as eleições, realizadas a 9 de Outubro, ou que seja dirigida a algum desafecto interno ou externo. Qualquer relação com as eleições é “maldosa”, pois jamais “ofenderia” a nossa instituição democrática.

Este é um ditado africano, muito antigo, que deve ser aberto a livre interpretação, mas soa a um alerta sobre o querermos voar sem a necessária sustentabilidade. Este conto tem contexto organizacional que se aplica a todas as carreiras e profissões e a tantos de nós que ficamos com o ego “ferido” quando nos imaginamos a chegar ao topo e tal não se concretiza tal e qual nosso desejo.

Sobre as eleições, tenho para comigo que o empenho dos candidatos e dos partidos fortaleceu e qualificou ainda mais o exercício democrático. Foram ricos os debates de ideias e os projectos vendidos, alguns dos quais à primeira vista inexequíveis em cinco anos. Não devo deixar de dizer que andaram por aí alguns candidatos sonhadores que nos encheram de apetites de outros mundos que é legítimo que queiramos construir aqui, desde que olhemos desapaixonadamente para a realidade.

A China construiu o seu sonho com trabalho de muitas jornadas. A proposta era o dinheiro público ser utilizado de maneira a garantir grandes saltos económicos, permitindo que empreendedores crescessem sem qualquer atrito. Aquilo que é apelidado muitas vezes como o milagre chinês foi lavrado nos últimos 40 anos. O mesmo acontece com o berço do ouro do Dubai ou Catar, cuja modernização e crescimento foram possíveis em decorrência do desenvolvimento da exploração petrolífera na região.

O nosso país só agora começou a explorar as ricas riquezas do subsolo e acredito, tal e qual os candidatos perfilaram, que o nosso desenvolvimento pode acontecer em menos tempo ainda, visto que levamos a vantagem de não ter de inventar a roda. Uma chamada de atenção para que não sejamos como o porco, que quis voar com asas sustentadas com cera.

O processo de apuramento ainda está a meio, no entanto, percebe-se que este vai deixar feridas abertas e mágoas entre os que perderem. Num jogo democrático não devia haver espaço para vencidos, perdedores. Sem dúvida, isso só pode ocorrer senão pelos equívocos que se normalizam com o especismo.

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