Domingo, 22 Dezembro, 2024
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BELAS MEMÓRIAS: A dívida pela prótese

Por Jornal Notícias
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PORTAR uma peruca ou prótese capilar de qualidade na cabeça, não é para quem quer, mas sim quem pode e forte economicamente, embora existam réplicas e réplicas para satisfação de todos os egos e bolsos.

Porque a vida é um sopro, tão fugaz quanto o presente, há quem defenda que seja vivida intensamente cada dia como se fosse o último.

A intensidade para os que assim pensam varia de pessoa para pessoa. Existe quem realmente investe na vida intensa somente para si, mesmo que os recursos se revelem ou mantenham-se na constante escassez. O seu estilo de vida tem de estar ajustado ao nível de quem realmente tem recursos abastados.

Madú é uma das mulheres que não deixa seus créditos em mãos alheias, quando o assunto é beleza, produção de uma boa imagem. Não se deixa derrotada pelas privações, muito menos pelas partidas que infelizmente a vida lhe tem pregado várias vezes. Ela preocupa-se muito com a sua aparência e o resto se vê depois.

Se em casa falta arroz, não é motivo de alarme, desde que haja o mínimo para não se sucumbir. O máximo dos seus rendimentos deve servir para garantir e manter a imagem impecável.

Essas coisas de cultivar a personalidade são lhe característica desde que veio ao mundo. Mas um dia o amigo do alheio pregou-lhe também uma partida daquelas que não se desejariam nem ao pior inimigo.

Ela aplicou um valor na compra de uma prótese capilar incomum, de alta qualidade e, consequentemente, caríssima. O preço era tão alto que, para as suas capacidades limitadas, diga-se, precisaria de saldar a dívida em duas ou três prestações, desde que fosse para se apresentar ao seu jeito. E assim se cumpriu o desejo.

Pagou a primeira prestação, na segunda teve a prótese e começou a usá-la. A ideia da vendedeira do cabelo era reaver os restantes oito mil meticais, uma vez estabelecida a confiança entre ambas, no pagamento da primeira tranche.

Numa manhã, o diabo não só batia à porta da Madú como passava a conviver com ela literalmente. Enquanto caminhava, pela baixa da cidade de Maputo, na famosa zona de exclusão de prótese, sentiu um movimento estranho, tropeçou e caiu.

De seguida sentiu um ar fresco na cabeça. A cabeleira postiça havia sido arrancada pelos oportunistas que pululam pela cidade.

A mulher não quis acreditar no que estava a acontecer, mas era nada mais, nada menos que uma pura realidade. O ar natural providenciado pelo Divino, para todos, soprava nas brechas abertas pelas tranças normais, feitas como base para assentar a prótese.

Quando finalmente deu conta do sucedido, não mais ouviu comentários e lamentações dos que haviam presenciado o roubo: desmaiou.

Os mirones pararam de comentar, porque estavam perante uma alma prestes a se desligar do corpo. Usaram todas as artes por eles conhecidas, para evitar que tal acontecesse, buscando diferentes formas de reanimá-la.

Madú foi ganhando a respiração normal, para alegria de todos. Ainda prostrada num dos mais escaqueirados passeios da cidade e sem se lembrar dos seus sapatos de salto

alto fora do seu pé, voltou a colocar a mão à cabeça, tal como o fizera, quase que por instinto, no momento da violência. De seguida ela gritou: “… e ainda ainda faltam oito…”, voltou a desmaiar.

Os socorristas voltaram a pôr mãos à obra para lhe colocar novamente em pé. E assim aconteceu: Madú levantou-se, sacudiu a poeira e seguiu o seu caminho.

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