Quarta-feira, 11 Dezembro, 2024
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BELAS MEMÓRIAS: Como regressarei à casa?

Por Jornal Notícias
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DOMINGOS Honwana ou simplesmente Xidiminguana, como é artística e carinhosamente tratado este ícone da música ligeira moçambicana, retratou de forma triste, mas ao mesmo tempo irónica, uma realidade que se vivia em alguns bairros da cidade de Maputo, decorria a década de 1980.

A população estava a ser avassalada por um surto de sarna sem precedentes, que não escolhia raça e nem condição financeira. Crianças de tenra idade, adolescentes, jovens, adultos (entre homens e mulheres) não escapavam à saga que se ia alastrando pela vizinhança de forma contínua: Não havia antídoto para o grande mal.

Chorava-se por causa deste fenómeno arrepiante. Entre os vizinhos a saudação da praxe, que caracteriza as relações humanas nas comunidades resumia-se no assunto sarna. Isso era notório nos que controlavam a situação, a partir de casa e os que se deslocavam para as unidades sanitárias.

Para o músico de intervenção social que é o “Cota” Domingos Honwana, isso foi motivo mais que suficiente para inspiração. Cantou no lugar das vítimas do surto, equacionando como saída do problema, o regresso à sua terra Natal, província de Gaza, porque em Maputo já não dava para continuar.

 Como o surto apertava cada vez mais, principalmente em crianças, Xidiminguana também descrevia o drama à altura do impacto, explicando como os dedos das mãos serviam para ajudar a aliviar a comichão, causando uma sensação agradável, mas ao mesmo tempo dolorosa. Ao pormenor falava do impacto da comichão, num casamento perfeito entre os dedos e a superfície da pele afectada.

Para os mais distantes da triste realidade, o trabalho do músico foi mais um número para agradar o ouvido de quem escutava; uma diversão pela forma irónica como o acontecimento era narrado e ocasião para dar gosto ao pé de quem tem dom para dançar. É que a marrabenta estava presente como uma das suas marcas.

Já aos que sentiam o problema na pele, no verdadeiro sentido, a sensação era diferente. O músico colocava-se na situação de um indivíduo desesperado, procurando saída do beco em que se encontrava, questionando na língua Xichangana, “como regressarei à casa”.

Fora do tempo da sarna, há muitas famílias assoladas por outras intempéries, que fazem lembrar o inquietante questionamento de Domingos Honwana. Na verdade, todos, incluindo-me, nos reencontramos neste tema: como realmente regressaremos à casa de onde todas as manhãs saímos, com destino aos centros urbanos, em busca do pão de cada dia?

Mesmo tomando o meio de transporte muito mais cedo, o regresso não deixa de ser uma incógnita. A romaria é, em muitos casos, a solução encontrada pelas crianças, adolescentes e jovens, principalmente na fase de provas de exames, bem como por homens e mulheres trabalhadores do sector formal e informal, porque não há quem queira dormir em tecto alheio.

Mesmo sem transporte para “o lar, doce lar”, deve-se voltar do mesmo jeito que se sai logo pela manhã. Todos almejam, no fim do dia, independentemente de onde se localiza e das condições deixadas, alcançar o seu lar que de qualquer forma é sempre doce. Mas regressar à casa continua uma incógnita, mesmo nos tempos sem sarna: Como regressar à casa?

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