Quinta-feira, 2 Janeiro, 2025
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BELAS MEMÓRIAS: Só falta o drone

Por Jornal Notícias
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DECORRIAM as mais longas manifestações no país, quando Tony decidiu revisitar a aldeia de E’kurhulene, sua terra natal, de onde partiu em busca de melhores condições de vida, em terras alheias.

Religiosamente o faz a cada mês de Dezembro, por se tratar do seu período favorito para o repouso. Como trabalhador nas minas da África do Sul, sempre preparou-se com esmero para não deixar nada faltar em casa. Afinal esta é também altura de agradar aos seus, mostrando a diferença que existe entre a sua ausência e presença no seio familiar.

Com tudo organizado, escalou Maputo num dia conturbado por conta das manifestações. Aqui precisava de enriquecer a sua bagagem antes de rumar para a província de Gaza. As estradas andavam intransitáveis com barricadas montadas um pouco por toda a cidade.

Mesmo diante desta adversidade, a esperança de viajar continuava a residir na mente do Tony pois, pela experiência, sempre que os manifestantes barravam as vias de acesso, logo de seguida apareciam polícias ou militares a retirar as barricadas e a vida seguia.

No dia em que decidiu seguir viagem, recebeu a indigesta notícia segunda qual a espinha dorsal do país, a Estrada Nacional Numero-1, estava bloqueada pelos manifestantes na região de Bobole e, com esta acção, estava interrompida a ligação entre a capital e as restantes províncias de Moçambique.

Mais uma vez, como quem nega o que o destino impõe, Tony continuou a acreditar que tudo ficaria ultrapassado, que provavelmente era por uma questão de minutos. Só que o tempo passava e somavam-se 48 horas de interrupção.

Os relatos que lhe chegavam aos ouvidos eram chocantes. Falava-se até de entrada em decomposição de alguns corpos que eram transladados, pois o calor era demasiado. Mas naquela situação não havia dó, piedade e nem prioridade. Todos tinham caído na malha. Desta forma, Tony começava a entender que as coisas não eram tão fáceis como pensava.

– Podia ser eu no meio de tantos desesperados num beco sem saída. O que levava de perecível, para dar aos meus, poderia terminar nas bermas da EN1. Valeria a pena arriscar? Questionava-se.

No dia que as manifestações foram suspensas, o seu organismo entrou em contradição e começou a ressentir-se de um problema que nem ele fazia ideia do que poderia ser.

Deixar de viajar para seguir o hospital, sob risco de voltar a ficar em terra, em caso de nova onda de manifestações, Tony preferiu aventurar, deixando o resto nas mãos de Deus.

Mas porque não é irresponsável, sobretudo quando o assunto é a saúde, dirigiu-se a um laboratório de exames clínicos e despistar algo mais preocupante e comum: a malária.

Os resultados só sairiam três horas depois, mas ele já estava de malas aviadas e chaves na mão. Porque não tinha feito nenhuma consulta com o médico e queria apenas se certificar de que não tinha malária, seguiu viagem.

Quatro horas depois, já com os seus e bem acolhido, recebia email do relatório dos  exames. Contou ao pai o que tinha acontecido para estar a ler aquela mensagem dos exames.

Sempre que adoecesse, fora o recurso a soluções tradicionais e localmente disponíveis, o seu pai, senhor Afonso, recorria ao posto de saúde de onde sai, às vezes, com um paracetamol na mão, depois de ser visto por um enfermeiro elementar. Nada de exames, nem médico e muito menos testes por serem enviados.

Boquiaberto ficou o senhor Afonso.

– Mas isso é possível, meu filho? Ficarem a estudar o teu sangue, tu em plena viagem e te mandarem o resultado ao telefone? Então, a evolução é uma realidade entre vocês. A este andar um dia podem receber até remédio sentados em casa!

Estas coisas das tecnologias não são de tudo más. Infelizmente, algumas pessoas usam-nas para maldade. Quem sabe se um dia veremos um drone a nos trazer remédio… sonhos.

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