NUNCA na história da família Cossa tinha havido tanta fartura em épocas festivas quanto houve na recta final do ano 2024.
Zequito, o primogénito desta família, há muito que andava na província de Maputo a lutar por melhores condições de vida ou a Phandar como se diz na gíria popular.
Ele nunca teve emprego formal, mas vai sobrevivendo de pequenos biscates daqui e acolá, organiza minimamente a sua vida, ao ponto de lhe restar algo para enviar à família lá em Nhametane, terra natal.
Ele nunca consegue mandar o rancho com regularidade, mas faz de tudo para, no final de cada ano, levar algo para honrar os seus, à semelhança do que fazem os abastados vizinhos magaiças (trabalhadores das minas da África do Sul), só que em quantidades “desproporcionais”.
Todos os anos, no contexto do espírito competitivo e comparativo, ele era sempre relegado para o último plano, pois não tinha como estar à altura de quem trabalha em terras distantes e a ganhar numa moeda mais forte que o metical: o rand.
O fardo das compras dos magaíças era resultado de valores acumulados por longos meses, o que Zequito não conseguiria, com a ninharia que ganha nos seus trabalhos sazonais. Isso, nalguns casos lhe reduzia à sua insignificância, mas este ano aconteceu um insólito.
Chegou à povoação à altas horas da noite. Apesar das chamadas que ia fazendo pelo trajecto, dando indicação da sua localização e a previsão de chegada à casa, ninguém mais tinha esperança de o receber de tão longa que estava a ser a viagem, afinal não era para menos. Ele ia de transbordo em transbordo e tudo era feito com minúcia para evitar que algo se perdesse.
Finalmente o carro por ele alugado chegou à Nhametane quando todos dormiam, menos alguns membros da sua família, em vigília, uma vez que iam articulando telefonicamente com o viajante.
Numa povoação sem iluminação, a família se espantava com as luzes a brilhar, era uma viatura estranha, que se fazia ao seu quintal levando o Zequito. Lá nunca tinham sequer ouvido que a sorte de comprar um carro teria bafejado o seu parente.
A esfregar os olhos de tanto sono acumulado saíram das palhotas para receber o recém-chegado. O que não imaginavam era o trabalho que os esperava, de vazar toda a camioneta superlotada de produtos alimentares de primeira necessidade, bebidas, bolachas, cheaps, sumos de diferentes marcas e sabores, materiais de construção e escolar, sacos cheios de pares de chinelos, embalagens e mais embalagens de peças de capulanas e muito mais que não conseguiam descrever, de tanta diversidade.
Estupefactos, foram vazando o camião a pensar que à medida que ali permanecia via os seus pneus vazios. Esperavam que alguém interrompesse a acção para deixar parte do que a carroçaria portava, pois julgavam tratar-se de carga de prováveis ocupantes que com o Zequito teriam partilhado o aluguer da viatura.
A casa principal, coberta de capim e maticada de terra vermelha, já estava sem espaço, preenchida pela mercadoria que ia sendo descarregada. Tiveram que passar para a outra casa coberta de chapas de zinco que, apesar das dimensões diminutas, ainda tinha algum espaço para o aprovisionamento.
Preenchida a segunda casa, era necessário bater a porta numa terceira, onde dormiam as crianças.Os artigos como material de construção só podiam ser acomodados sobre as chapas de zinco porque do outro modo não procedia.(…)