Quarta-feira, 5 Fevereiro, 2025
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Craveirinha, a negação da desmemória

Por Jornal Notícias
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GIL FILIPE

JOSÉ Craveirinha apareceu a este mundo para marcá-lo a partir de Moçambique, que ele ajudou a construir antes mesmo de haver a consciência colectivamente generalizada, num sentido mais activo de generalizado, de que o sonho para se ter um país constrói-se. Antes mesmo de haver nascido um movimento de libertação, Craveirinha já se libertava. Como desportista e jornalista ou como integrante de uma sociedade com regras de convivência tão sectárias quanto bacocas, o mulato da Mafalala que jogou futebol ou fez atletismo pelo Desportivo combateu o racismo nunca dito que o era mas demonstrado numa colónia de Moçambique que as autoridades portuguesas hipocritamente descreviam como território de sã convivência. Mentiam a quem aqui não morava, com a cumplicidade de uns que cá tinham vindo desterrados ou nascido.

É, no entanto, como poeta que José Craveirinha é mais evocado, por de todas as suas facetas essa ser a que mais o acompanhou na vida. Ou seja, mesmo descrito nalgumas literaturas como exímio desportista, a poesia é que lhe fez transcender almas e espaços para marcar-se como um moçambicano de dimensão universal, mesmo que a estampa disso não tenha vindo por via de premiações como aquela de que a língua portuguesa foi sistematicamente apartada. Sim, dizemo-lo. Os nomes de Jorge Amado e Miguel Torga, por exemplo, mereciam estar com o de José Saramago na lista dos vencedores do Nobel da Literatura. Tal como Mia Couto ou Pepetela têm literatura bastante para também estarem nesse palmarés.

Craveirinha, que morreu faz amanhã 22 anos, é evocado neste espaço num brevíssimo exercício de uma memória que não se traduz, sente-se. Reivindicamos o direito ao direito de recordar alguém que é mais do que alguém, porque este poeta é a soma de muitos alguéns e de muitos ninguéns que ao longo de gerações tecem Moçambique. Reivindicamo-lo por sermos, como escreveu o também poeta e escritor Nelson Saúte há poucos anos num texto evocativo precisamente sobre José Craveirinha, um país que preza a desmemória ou a amnésia, o desconhecimento ou a desconsideração, “reiteramos vacuidades e não nos detemos a estudar e conhecer os nossos grandes intérpretes”.

Craveirinha não foi apenas um grande tradutor do ser moçambicano, também ajudou a desenhar um guião, antes mesmo de o texto ser entregue aos actores que o interpretaram a partir de 25 de Junho de 1975. Mesmo tendo esse guião sofrido modificações e até mesmo reescritas que tornaram Moçambique num lugar em que a concórdia contracena também com a discórdia e levanta, hoje por hoje, a necessidade de um outro, mas para o mesmo cast: os moçambicanos, unicamente eles.

O epicentro da trajectória de Craveirinha foi a Mafalala, onde nasceu e escolheu viver. E teve réplicas por tudo por onde

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