Terça-feira, 15 Abril, 2025
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BELAS MEMÓRIAS: Celebrar a desgraça alheia

Por Jornal Notícias
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O SOM do apito da locomotiva, a cada noite, desperta a ansiedade de regresso/chegada à casa, a qualquer utente do transporte ferroviário, depois de um dia fatigante, de luta pelo pão de cada dia.

Na noite de sexta-feira, 4 de Abril, esse sinal não foi excepção e os motivos eram variados: a ansiedade de entrar para um fim-de-semana longo, o reencontro com a família e, claro, a sensação do dever cumprido.

Entre essas pessoas estava a Maida, uma jovem mulher que espevitava risadas entre os passageiros, nos debates sobre os preparativos do Dia da Mulher Moçambicana e os prognósticos do que iria acontecer com a “soltura” da mulherada para a festa de homenagem à heroína e combatente da luta pela emancipação, Josina Machel.

Dos mais irónicos prognósticos cresciam as gargalhadas num dia que prometia ter tudo para ser normal, pelo menos entre os viajantes que iam na divertida carruagem.

Uma paragem longa e estranha interrompeu a alegria vivida, para dar lugar a uníssonos e crescentes murmúrios que transpunham as carruagens.

– O que se passa, afinal?- perguntavam-se os passageiros, entreolhando-se e sem resposta a dar uns aos outros.

– No mínimo que nos comunicassem. Partimos da estação central já passa muito tempo e estamos aqui parados, irritava-se um dos passageiros.

De facto, a comunicação tardava e naquele instante a animação esfumava-se no espaço. O motor da locomotiva roncava de forma hesitante, como um camião velho com excesso de peso, numa subida.

O que está a acontecer? Será mais um daqueles momentos nos quais as pessoas se “welavam”(caírem em cima), entre irmãos, sem dó, nem piedade? Chegou a pensar-se nisso, pois muitos ainda têm frescas essas ocasiões, vividas no contexto das manifestações pós-eleitorais.

Volvida cerca de uma hora, confirmava-se o que ninguém gostaria de ouvir: a locomotiva não tinha mais para dar naquela noite, num troço sem acesso à viatura senão a linha férrea entre arbustos que separam os balastros, travessas e o ferro firme a indicar o destino, no meio da escuridão atenuada pelas lanternas dos telefones.

De salto raso ou alto, a verdade é que a todos restava somente a caminhada. Os murmúrios de desabafo e uma gracinha de lá e acolá a tentar suavizar o stress.

Apercebendo-se da situação, alguns residentes ao longo da linha férrea foram aproximando-se para, de perto, contemplar a romaria que só fazia lembrar os peregrinos ao santuário.

– Epaaaaa! Numa boa vasculha, aqui saem uns tantos Iphones, exclamava um jovem residente, lamentando o “desperdício” que era, deixar em paz a multidão seguir  numa noite em que as condições para o assalto favoreciam.

Ante a indiferença dos “peregrinos” que só queriam avançar e alcançar a estrada para concluir o resto da viagem por via rodoviária, os homens do mal calavam-se. Mais em diante, um outro ajuntamento de moradores divertia-se numa barraca também situada junto à linha férrea.

– Hoje foram bem apanhados, destilarão todo o açúcar concentrado no sedentarismo que é característico em gente de classe média.

-Como, assim? Perguntava um dos convivas, para a inesperada e arrepiante resposta: Estes todos são da classe média. Só de olhar podes concluir. Hoje foram bem apanhados e vão conhecer o que é bom para a tosse!

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