Quarta-feira, 30 Abril, 2025
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CCFM: O “elefante branco” da cooperação cultural? (1)

Por Jornal Notícias
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AMAVÉL PINTO

O CENTRO Cultural Franco-Moçambicano, ou simplesmente “o Franco”, é uma daquelas instituições que, entre tantas outras ligadas às embaixadas de vários países, se foi posicionando como uma das mais importantes na promoção e divulgação das artes em Maputo. Contudo, poderíamos também dizer que este grande “elefante branco”, ao serviço directo dos interesses dos serviços culturais da Embaixada de França, sob o pretexto de promoção do património cultural moçambicano, não passa de mais uma daquelas investidas profissionalmente estudadas para monopolizar – e até interferir – na imposição cultural em Moçambique.

Como compreender este fenómeno? Seguramente, alguns dirão que é inveja. Outros, talvez, falta de conhecimento. Mas vamos analisar, com alguma coerência, alguns factos importantes:

Esta instituição, supostamente estabelecida para investir na cultura moçambicana, parece ter concentrado toda a sua acção cultural exclusivamente na cidade de Maputo. Cultura em Moçambique, sim; mas cultura em Maputo, sobretudo. No resto do país? Nada que uma boa desculpa diplomática não resolva: “não há meios”, “não é seguro”, “não é estratégico”.

Tendo o nome “Franco-Moçambicano”, pressupõe-se uma parceria equilibrada entre os dois governos. Porém, a realidade parece desmentir esta ideia de cooperação simétrica. Seria mais honesto chamar-se “Centro Cultural Francês com Participação Moçambicana Simbólica”. Mas talvez isso não ficasse tão bem nos convites impressos em papel reciclado europeu.

No que diz respeito às oportunidades de apresentação naquele espaço, a parte moçambicana é frequentemente obrigada a preencher requisitos específicos – burocráticos, técnicos e até económicos – para poder alugar o espaço ou estabelecer uma “colaboração”, onde, curiosamente, a fatia da bilheteira reverte a 50% a favor da própria instituição. Chamemos-lhe cooperação selectiva. Ou melhor, cooperação com manual de instruções – em francês, claro.

As iniciativas que vêm de fora, geralmente de países francófonos ou directamente de França, entram sem grande explicação sobre os critérios de selecção e vistos de turismo. Uma instituição que alega autonomia na sua programação devia, ao menos, garantir que os critérios aplicados fossem equivalentes para ambas as partes. Afinal, estamos a falar de uma cooperação e não de um enclave exclusivamente francês. Ou estamos?

Ironia das ironias: praticamente todas as actividades culturais do Franco são patrocinadas por empresas moçambicanas. E, mesmo assim, ninguém sabe exactamente como é que o famoso orçamento francês é investido no terreno. Mistério digno de novela. Ou talvez de um bom documentário… francês.

CCFM: O “elefante branco” da cooperação cultural? (Concl.)

AMAVÉL PINTO

ESTAS são algumas das preocupações que a classe artística moçambicana, de forma geral, prefere guardar em silêncio – por receio de represálias ou eventuais bloqueios que pudessem resultar de uma opinião “inoportuna”. Mas aqui ficam, para reflexão, alguns pontos de vista pertinentes. Ou inconvenientes, dependendo de quem lê.

Se a instituição carrega o nome de Moçambique, por que razão os principais decisores são diplomatas franceses, funcionários directos do Governo de França, e não indivíduos com ligação directa à cultura moçambicana, ainda que apoiados por França? O Governo moçambicano, ao contrário, parece não apoiar de forma significativa os seus próprios representantes alocados naquela estrutura. Representantes, esses, que por vezes são apenas figurantes de uma peça que já vem encenada de Paris.

Sim, é verdade que o orçamento vem de França. Mas o objectivo deveria ser investir na cultura moçambicana, e não na promoção das várias culturas francófonas em África – ou, pior, permitir que esses fundos regressem, quase na totalidade, para França, sob a forma de honorários, viagens, hotéis, refeições luxuosas e outras regalias atribuídas aos artistas e técnicos importados. O dinheiro vem de França, sim, mas para investir aqui, não para circular num sistema fechado e elitista. E se é para beneficiar os mesmos de sempre, então talvez fosse mais honesto chamá-lo de “Centro Cultural para Exportação e Reciclagem de Fundos”.

Compreender as motivações de um “monstro” destes não é fácil. Criticar abertamente é quase declarar guerra. E, como se sabe, quem ousa levantar a voz contra o sistema arrisca-se ao silêncio institucional. Ou pior: à invisibilidade programada.

O nosso Governo? Como tantas vezes, abandona os fazedores de arte à sua sorte. Afinal, sendo esta uma instituição “franco-moçambicana”, existem, certamente, representantes do Governo e da dita sociedade civil moçambicana no conselho de administração do Franco. E, convenhamos, para muitos deles, o simples facto de receberem o seu “chequezinho” no final do mês é suficiente. O resto? O resto que se desenrasque. Culturalmente, claro.

Todos sabemos que aquele espaço não é para todos. É para os privilegiados, que passam  por ali duas ou três vezes por ano, em eventos escolhidos a dedo. Não há nada contra os franceses. Mas se, de facto, pretendem ter um centro francês, então façam como os portugueses, que têm o Instituto Camões – um espaço assumidamente português, onde fazem o que bem entendem, com total insubordinação e muito menos necessidade de prestação de contas a um Governo que não seja o português.

Enfim, esta é a realidade de uma indústria cultural à deriva e à mercê dos mais habilidosos mercenários culturais. Onde vale tudo, desde que se possa fazer dinheiro em nome de uma fraternidade obscuramente manipulada. Um “elefante branco”, sim – mas com passaporte diplomático e orçamento reservado.

Fotos: Arquivo / Fb CCFM

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