Segunda-feira, 18 Novembro, 2024
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A ideia de uma “cara-metade” pode ser perigosa

Por admin-sn
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Rute Agulhas*

É FREQUENTE ouvir-se dizer que uma determinada pessoa “é a minha cara-metade”, que é como quem diz, “alguém que me completa e me faz feliz”. Falamos de uma ideia romântica de duas metades que encaixam. Será esta ideia, em si mesma, perigosa, na medida em que traduz a crença de que, sem uma relação amorosa, a pessoa existe pela metade? Somos seres incompletos quando não temos uma relação de namoro, união de facto ou casamento?

A ideia de uma “cara-metade” carrega consigo a sensação de se existir pela metade, como se de algo muito negativo se tratasse. Como se quem está sozinho (leia-se, sem manter uma relação amorosa estável) fosse inferior e se sentisse necessariamente mais triste e infeliz.

Sabemos que uma relação amorosa gratificante (e sublinho a bold o adjectivo de forma intencional, pois não basta manter uma relação – é preciso que esta se revista de características positivas, como o respeito, a intimidade, a capacidade de escuta, a tolerância e a flexibilidade) aumenta a sensação de bem-estar e potencia emoções agradáveis. Os casais que se sentem felizes na sua relação de conjugalidade tendem também a expressar maior satisfação em outras áreas da sua vida, como se existisse um efeito de contaminação positiva. Isto é inquestionável e muito benéfico para o seu bem-estar psicológico.

O que pode ser preocupante é a ideia de que, sem este tipo de relação afectiva, e tantas vezes por opção – sim, as pessoas têm o direito a escolher não manter uma relação amorosa -, se é forçosamente mais infeliz. Quase merecedor de sentimentos de pena por parte das outras pessoas… “coitado, está sozinho”; “já viste há quanto tempo não tem ninguém?”.

É neste contexto que se reveste de especial importância reflectir sobre a noção de autoconceito e auto-estima. O autoconceito é uma imagem compósita de: a) o que pensamos que somos; b) o que pensamos que conseguimos alcançar; c) o que pensamos que os outros pensam de nós, e d) o que gostaríamos de ser. Por seu turno, a auto-estima relaciona-se com a avaliação pessoal do nosso autoconceito – diz respeito ao grau relativo de valor ou aceitação que as pessoas consideram que o seu autoconceito tem.

Olhando para as estas dimensões do autoconceito, percebemos que alguém que acredita nesta ideia da “cara-metade” e que não tenha uma relação de conjugalidade gratificante facilmente poderá ser levado a pensar que: a) “não existo de uma forma plena e completa”; b) “o que tem impacto negativo nas minhas conquistas e aspirações”, e c) “os outros vêem-me como inferior e inacabado”. Quem pensa assim, vive em constante perseguição da outra metade, de maneira a sentir-se inteiro, avaliando o seu autoconceito, necessariamente, de uma forma mais negativa.

Diria que esta forma de pensar é efectivamente perigosa, desviando-nos do cerne – gostarmos de nós mesmos, pelo que somos, e não pelo que temos ou por quem temos ao nosso lado.

Manter uma relação amorosa satisfatória e recompensadora é muito importante e tem um impacto positivo na forma como a pessoa se sente e interage, mesmo noutras esferas da sua vida. É algo que acrescenta, mas que não deve ser entendido como o preenchimento de algo que está vazio e inacabado.

*Psicóloga clínica e forense, terapeuta familiar e de casal

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