Quarta-feira, 18 Dezembro, 2024
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Cá da Terra: Nostalgia

Por admin-sn
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A VELHA loja do meu bairro, já não “respira” o mesmo alento de outrora. Só lhe resta o nome de outros tempos, que dá essência e história a um lugar mítico para a população local.

Noutros tempos ela se erguia ali como a principal fonte das provisões. Hoje em dia são os contentores que rivalizam entre si, mesmo de tanto se questionar a qualidade do que é entregue como produto final.

A existência da velha loja está a ser massacrada pelas marcas da modernidade.

Os moradores do bairro, os mais velhos, ainda não se esqueceram das aventuras da velha loja, mas os mais novos só sabem que o contentor é que está a dar, contanto que a oferta é mais diversificada.

A quantidade dos lojistas abastecedores era bem grande que tinham de tudo, chapas de zinco, vinho, pão, farinha, açúcar, lenha e carvão, que cabia muito bem para resolver a tristeza da família. Ali também podiam ser encontradas vassouras; materiais de construção como cimento, martelo, arame, parafusos e etc.

Agora só ficaram de memória alguns nomes como Vieira, Bela Rosa, Beira Mar, Diamantino, Ximadjane, Tijuca, entre outras.

O pão, ainda fresquinho, do Serrano ou do Edgar só tinham espaço na sacola de pano e não nos plásticos de hoje.

Alguns dos produtos, sobretudo os frescos, eram trazidos directamente da machamba, isto é directo do produtor para o consumidor.

Foram locais de referência da comunidade que até hoje são lembrados pelos nomes dos proprietários.

Havia a liberdade de anotar no caderno, o que é tão raro nos dias de hoje que o “vale” é apenas de bebida. O sistema funcionava tão bem porque o lojista conhecia bem os seus clientes, por isso nunca havia problemas. Estava cheio de gente honesta por isso não havia como haver problemas. O que valia mais era a confiança e a palavra.

O lojista se parecia mais como um membro da família de todos os seus clientes. De comerciante não tinha quase nada, mas era ele quem garantia e aprovisionava.

O cheiro a especiarias marcava de forma distinta as lojas dos comerciantes indianos que vieram ocupar o espaço um pouco mais tarde.

Por causa do vinho e da cachaça, algumas destas eram locais de encontro dos mais velhos, onde a vizinhança punha o papo em dia e cimentava relações. Discutia-se de tudo, mas a política e o futebol dominavam.

Para além das lojas, também desapareceram os quintais com hortas e capoeira lá no fundo.

A madrugada era marcada pelo cacarejar das galinhas que hoje são a cobiça dos amigos do alheio que não falta a vontade de o dono fechá-la dentro de casa. A capoeira atrai e dormimos com o medo de nos assaltarem, de nos raptarem os filhos e os familiares.

Hoje vivemos permanentemente em alerta e com inúmeros medos. É o nosso brilho o que mais nos assusta.

É comum, quando crianças, termos medo. Mas temos medo porque temos a consciência de perigo que a vida adulta empresta.

Se quando criança não via filmes de terror  hoje nos deparamos com o terror estampado em todo lugar, naqueles que sofrem por abandonarem a sua vida, as suas casas.

Sentir medo faz-nos recordar que temos vida e que um dia chega a nossa hora de partir.

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