Segunda-feira, 25 Novembro, 2024
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BELAS MEMÓRIAS: Os ovos não se partem, pai!(4)

Por Jornal Notícias
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À MEDIDA que os dias se seguiam, a desilusão tomava conta do Vadinho, o vendedor de ovos cozidos nas ruas de Maputo, que saiu da sua comunidade, em Gaza, em busca de melhores condições de vida.

As incertezas aumentavam, com o imaginário a gravitar em torno do momento que ele sonhava: entrar em grande na família, na aldeia e no seio dos amigos já transformado, à semelhança das pessoas idas da capital do país, que de quando em vez via na sua terra natal.

Ao pai não conseguia pensar o que dizer pois, tal como ele, vivia momentos de expectativa de ver a vida do filho a mudar para o melhor e, consequentemente, de toda a família.

Viver dias do nada, como acontecia na casa da Madú figurava-se difícil para o jovem que, não tendo o domínio da cidade e muito menos alguém que o pudesse acolher, optou por abandonar aquela casa, aonde havia sido deixado pelo tio, para iniciação laboral. Deixou a casa sem que tivesse experimentado o sabor de um salário sequer, pois era, para ele, um verdadeiro inferno.

A rua era a única alternativa. Como sobreviveria? Nas suas andanças foi-se confrontando com um exército dos sem casa, mas não com bons olhos, pois nunca se imaginou naquela condição. As circunstâncias falaram mais alto e acabou por fazer parte dele.

Perante a preocupação de todos que não tinham notícias suas, desde a casa que o acolhera como vendedor, seus amigos de ocasião, o tio que o levara de Gaza e os seus pais, Vadinho viveu vários dias de perseverança. Tudo o que queria era erguer-se e conseguir algo melhor de modo a poder encarar os seus com alguma dignidade, mesmo vivendo num ambiente indigno. 

Vagueou pelas ruas enquanto pensava no que o tiraria do beco sem saída. Nesse período foi vendo gente de família a catar lixo, procurando matéria descartada como garrafas e outros utensílios plásticos que pudessem dar algum dinheiro.

Aproximou-se deles para se informar sobre o destino que dariam àqueles artigos achados no lixo e também na rua, por gente que não tem receio de descartar resíduos na via pública. Teve a sorte de o seu caminho cruzar com pessoas de boa-fé que não monopolizaram o conhecimento que detinham sobre o assunto.

Dias depois, o menino de Gaza virava catador, acto que se alastrou por alguns meses, ante o sofrimento e sentimento de perda que abalava a sua família, em surdina, lá no povoado de Muhetane.

Qualquer pergunta sobre o paradeiro do Vadinho era como um pico sobre uma ferida fresca, uma vez que não achariam resposta para dar. Tudo o que queriam era ter um bálsamo para a dor do desaparecimento do petiz, sem rasto.

Passado algum tempo Damião, o tio que se encarregou de levar o Vadinho à Maputo, reapareceu na comunidade de Muhetane, provavelmente em mais uma missão de angariação de crianças para o trabalho infantil na capital, tal como o fizera com o seu sobrinho, ora em parte incerta.

A presença do Damião era, para a família do garroto, uma verdadeira lufada de ar fresco, em dias de calor abrasador. Finalmente iam ter notícia do filho desaparecido, há meses, assim pensavam. O que não lhes passava pela cabeça é que nem o próprio tio Damião sabia por onde andava o Vadinho e que, para essa situação, nada teria para os dizer.

Não esperaram que o Damião fosse à casa deles. Logo que tomaram conhecimento da sua chegada, correram ao seu encontro. (…)

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