Quarta-feira, 4 Dezembro, 2024
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BELAS MEMÓRIAS: Os ovos não se partem, pai!(conclusão)

Por Jornal Notícias
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DE SALVADOR, Damião, o tio do Vadinho, vendedor de ovos cozidos na rua, passou a vilão. O facto não era para menos. É que a família do garroto começou a encará-lo como um indivíduo desonesto, que fez desaparecer de vista o filho que tanto amava, com promessas de emprego, em Maputo. Eventualmente o levara para o negócio de tráfico de pessoas, pensava-se.

Ficaram sem chão, sem notícias e muito menos pistas sobre o paradeiro do Vadinho, mas ganharam força e renovadas energias ao saber que Damião acabava de desembarcar na comunidade de Muhetane. A ideia era exigir dele a explicação e devolução incondicional do garroto, do mesmo jeito que o levara do povoado, nem que para tal, parte da família tivesse que viajar no mesmo dia a Maputo.

Na verdade, o que todos queriam era uma e única coisa: ver o rosto do Vadinho, independentemente de ter ou não conseguido o emprego que tanto almejava. Eles ganhariam muito tendo-o de volta, mesmo desempregado.

Perante a pressão, ao Damião não restava mais nada, que se despedir dos seus, sem ter sequer sentado para tomar uma refeição. Naquela mesma tarde já iniciava viagem inversa à capital do país. Caía a noite quando um autocarro ido da zona centro, com destino a Maputo, escalou a paragem de Muhetane, zona também atravessada pela  Estrada Nacional número1. Os viajantes chegaram a Maputo demasiadamente tarde, mas porque o bairro onde o menino havia sido alojado é estrategicamente localizado, a missão foi facilitada.

Depois do desembarque, Damião e a família do Vadinho caminhavam em direcção à casa da Madú, num silêncio ensurdecedor, onde somente o som dos passos e, de quando em vez, da música ecoando a partir dos bares que fecham tardiamente, faziam diferença.

 _ É nesta casa onde deixei vosso filho para trabalhar, tal como era vosso e seu desejo, dizia o Damião. Mas o pedido de licença não foi prontamente respondido, dada a hora tardia.

A dona da casa temia estar diante de assaltantes e o seu receio tinha razões até de sobra, tratando-se de alguém que diariamente movimenta dinheiro, como resultado do envolvimento de muitas crianças no negócio de venda ambulante.

Damião tratou de se identificar em voz alta e assim as portas foram abertas. Enquanto abria as portas, a Madú ficava assustada porque nenhum rosto lhe era familiar, excepto a do angariador.

O susto acentuou-se depois de saber do objectivo da visita: cobrar uma explicação sobre o paradeiro do Vadinho.

– Não tenho o que vos dizer. Vosso filho saiu daqui faz tempo. Não deu satisfação nem a mim, nem aos outros rapazes que com eles convivia. Não tenho ideia mesmo!

O céu desabava sobre todos. A ideia era procurar o garroto logo de seguida. O que faltava era saber por onde começar.

Sentados nas cadeiras plásticas montadas na varanda da Madú, os hóspedes rezavam para que os ponteiros do relógio fossem mais acelerados, que o sol raiasse mais cedo que o normal, para poderem iniciar as buscas.

Pela manhã, lhes foi dado Manuelito, o mentor de Vadinho na venda de rua. A ideia era tentar passar, por onde habitualmente passava na sua companhia.

Foram vários dias de busca incessante e desgastante, até que quando menos esperavam se depararam com o Vadinho, carregando um saco de garrafas plásticas que foi catando pela cidade.

Mostrou-lhes a sua nova casa sem paredes, nem tecto, que espevitou lágrimas dos seus familiares. Contou tudo o que havia acontecido, tendo os ovos como a causa. Incrédulo e boquiaberto, seu pai ficou e perguntou:

– Mas quantos ovos terias partido, para passar por este sofrimento todo?

– Os ovos não tem como se partir, meu pai! Não se trata de ovos crus, eles são cozidos e nos entregues para vender de rua em rua. Apenas pequei por ter subtraído duas unidades, forçado pela fome. Isso valeu-me tudo que jamais sairá da minha mente, até que o altíssimo me chame para junto dele.   

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