Opinião & Análise BELAS MEMÓRIAS: Os ovos não se partem, pai!(conclusão) Por Jornal Notícias Há 2 dias Criado por Jornal Notícias Há 2 dias 236 Visualizações Compartilhar 0FacebookTwitterPinterestEmail 236 DE SALVADOR, Damião, o tio do Vadinho, vendedor de ovos cozidos na rua, passou a vilão. O facto não era para menos. É que a família do garroto começou a encará-lo como um indivíduo desonesto, que fez desaparecer de vista o filho que tanto amava, com promessas de emprego, em Maputo. Eventualmente o levara para o negócio de tráfico de pessoas, pensava-se. Ficaram sem chão, sem notícias e muito menos pistas sobre o paradeiro do Vadinho, mas ganharam força e renovadas energias ao saber que Damião acabava de desembarcar na comunidade de Muhetane. A ideia era exigir dele a explicação e devolução incondicional do garroto, do mesmo jeito que o levara do povoado, nem que para tal, parte da família tivesse que viajar no mesmo dia a Maputo. Na verdade, o que todos queriam era uma e única coisa: ver o rosto do Vadinho, independentemente de ter ou não conseguido o emprego que tanto almejava. Eles ganhariam muito tendo-o de volta, mesmo desempregado. Perante a pressão, ao Damião não restava mais nada, que se despedir dos seus, sem ter sequer sentado para tomar uma refeição. Naquela mesma tarde já iniciava viagem inversa à capital do país. Caía a noite quando um autocarro ido da zona centro, com destino a Maputo, escalou a paragem de Muhetane, zona também atravessada pela Estrada Nacional número1. Os viajantes chegaram a Maputo demasiadamente tarde, mas porque o bairro onde o menino havia sido alojado é estrategicamente localizado, a missão foi facilitada. Depois do desembarque, Damião e a família do Vadinho caminhavam em direcção à casa da Madú, num silêncio ensurdecedor, onde somente o som dos passos e, de quando em vez, da música ecoando a partir dos bares que fecham tardiamente, faziam diferença. _ É nesta casa onde deixei vosso filho para trabalhar, tal como era vosso e seu desejo, dizia o Damião. Mas o pedido de licença não foi prontamente respondido, dada a hora tardia. A dona da casa temia estar diante de assaltantes e o seu receio tinha razões até de sobra, tratando-se de alguém que diariamente movimenta dinheiro, como resultado do envolvimento de muitas crianças no negócio de venda ambulante. Damião tratou de se identificar em voz alta e assim as portas foram abertas. Enquanto abria as portas, a Madú ficava assustada porque nenhum rosto lhe era familiar, excepto a do angariador. O susto acentuou-se depois de saber do objectivo da visita: cobrar uma explicação sobre o paradeiro do Vadinho. – Não tenho o que vos dizer. Vosso filho saiu daqui faz tempo. Não deu satisfação nem a mim, nem aos outros rapazes que com eles convivia. Não tenho ideia mesmo! O céu desabava sobre todos. A ideia era procurar o garroto logo de seguida. O que faltava era saber por onde começar. Sentados nas cadeiras plásticas montadas na varanda da Madú, os hóspedes rezavam para que os ponteiros do relógio fossem mais acelerados, que o sol raiasse mais cedo que o normal, para poderem iniciar as buscas. Pela manhã, lhes foi dado Manuelito, o mentor de Vadinho na venda de rua. A ideia era tentar passar, por onde habitualmente passava na sua companhia. Foram vários dias de busca incessante e desgastante, até que quando menos esperavam se depararam com o Vadinho, carregando um saco de garrafas plásticas que foi catando pela cidade. Mostrou-lhes a sua nova casa sem paredes, nem tecto, que espevitou lágrimas dos seus familiares. Contou tudo o que havia acontecido, tendo os ovos como a causa. Incrédulo e boquiaberto, seu pai ficou e perguntou: – Mas quantos ovos terias partido, para passar por este sofrimento todo? – Os ovos não tem como se partir, meu pai! Não se trata de ovos crus, eles são cozidos e nos entregues para vender de rua em rua. Apenas pequei por ter subtraído duas unidades, forçado pela fome. Isso valeu-me tudo que jamais sairá da minha mente, até que o altíssimo me chame para junto dele. Leia mais… Você pode gostar também Literacia mediática como estratégia para a eficácia da comunicação pública (Concl.) REFLEXÕES DA MUVALINDA: Psicoterapia como autocuidado EDITORIAL A importância de uma atitude profissional na gestão de relações entre clientes e fornecedores Belas MemóriasOpinião & AnáliseOs ovos não se partempai! Compartilhar 0 FacebookTwitterPinterestEmail Artigo anterior Obra de Victor Tivane discute conteúdo local no sector de petróleo e gás Próxima artigo CÁ DA TERRA: O caminho para encruzilhada? Artigos que também podes gostar CÁ DA TERRA: O caminho para encruzilhada? Há 2 dias REFLEXÕES DA MUVALINDA: Os 47 Anos da OJM Há 5 dias CÁ DA TERRA: As coisas boas para recordar Há 1 semana BELAS MEMÓRIAS: Os ovos não se partem, pai!(4) Há 1 semana REFLEXÕES DA MUVALINDA: Coragem Há 2 semanas DIGNIDADE E DIREITOS (192): Matrimónio tradicional, herança e a dignidade Há 2 semanas