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Quarta-feira, 27 - Março, 2024

Belas memórias: A interdependência

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ANABELA MASSINGUE(anmassingue@gmail.com)

OS músicos, poucas vezes cantam trivialidades. O que idealizam e colocam no género lírico é, muitas vezes, das mais puras verdades que até inspiram os que os ouvem. Algumas dessas verdades são dolorosas e causam emoções. Outras ajudam a entender o que nos rodeia, sobretudo quando se está perante uma obra de intervenção social.

Hoje, veio-me o nome do saudoso Alberto Machavele, o trovador: O homem da canção “Mpazamo wa xitsungo ni GOAM, retratando uma falha generalizada do Gabinete de Organização de Abastecimento da Cidade de Maputo (GOAM), no processo de organização dos consumidores para a compra de produtos alimentares e não só, em plena crise dos anos oitenta.

Marcou a trajectória deste homem da canção moçambicana a célebre “wa deva” (está em dívida), e o show feito pelos regressados da extinta República Democrática Alemã, com as suas motorizadas MZ, que lhes colocou num status que chegou a abanar lares.

O Machavele era um exímio falante do Xitswa, uma das línguas locais da província de Inhambane.

Como parte do vocabulário Xitswa se assemelha a um idioma originário do Tsonga que entendo e falo, escuto com atenção e gosto as canções deste que foi o criador do grupo coral “nkava vanga heti”.

Do seu vasto repertório, veio-me à memória o número que retratava a interdependência das pessoas em relação ao que fazem na vida e que, no fim do dia, ninguém trabalha para si: todos trabalhamos ou servimos uns aos outros, directa ou indirectamente e nem há dinheiro que fique eternamente com o seu dono.

Tenho estado a observar esse fenómeno de interdependência, num dos pontos de maior mobilidade da cidade de Maputo, a zona baixa. São aos milhares as pessoas que nesta urbe buscam o seu “ganha-pão” a cada dia que o sol nasce.

Para se fazerem à cidade, muitos recorrem ao transporte público para o qual têm que tirar parte dos seus recursos e fazer subir a renda dos transportadores. Os que usam viaturas particulares, dividem o dinheiro com as gasolineiras, gestores de portagens que também o aplicam para outras finalidades.

Antes de iniciarem a sua actividade, os condutores partilham o seu dinheiro com gestores do espaço para parqueamento e controladores dos carros, uma vez que a segurança não é uma garantia. Depois, havendo necessidade, dão parte desse dinheiro aos polidores de modo a terem a viatura higienizada.

Na hora do almoço, quem não é fiel à sua lancheira procura restaurar-se para manter as suas energias, quer em casas de pasto existentes em várias esquinas, quer recorrendo às confeiteiras que, usando as suas viaturas, vão se constituindo em “restaurantes móveis”, vendendo comida.

Já que muitos vêm à cidade para o emprego informal, vendendo de agulha até ao computador, a dado momento, devem tirar desse dinheiro para comer, pagar as dívidas contraídas à terceiros, comprar mais produtos para a venda do dia seguinte, um xitique e uma infinidade de aplicações.

As cidades albergam tantas pessoas durante o dia, mesmo sem muitas condições para tanto. Trabalhadores de lojas e da rua que não se querem sujeitar ao atentado ao pudor na hora das necessidades biológicas, tiram parte dos seus recursos para garantir o pagamento de casas de banho públicas, onde existirem, garantindo o salário de quem faz a limpeza desses espaços.

O lixo retirado das casas de banho é depositado nos contentores, onde outros trabalhadores, verdadeiros heróis anónimos, dão o seu destino final, em troca do salário que, em muitos casos, vem das contribuições dos outros.

É caso para afirmar que todos trabalhamos, uns para os outros. 

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