ANABELA MASSINGUE- (anmassingue@gmail.com)
APARENTAVA cerca de 20 anos, quando contraiu o seu casamento tradicional, em plena década de 1980. Os preparativos já estavam na fase derradeira pois faltavam escassos dias para o grande dia. O sentimento era de enorme expectativa para os convidados, entre familiares, amigos e vizinhos de quase toda a povoação da pacata comunidade da rainha do evento: a Lena.
Para o meu espanto, criança que eu era, a Lena era a pessoa mais triste, sentimento que se agudizava à medida que os dias se aproximavam. Era um comportamento diferente dos demais.
Já na sexta-feira, parte dos convidados (familiares e pessoas mais chegadas), idas de longe, afluíam à residência dos pais da noiva, preparando-se para acompanhar a cerimónia, dia seguinte, sábado. Era preciso chegar cedo para testemunhar tudo.
Como uma das convidadas do outro ponto da província de Gaza, eu e meus pais tínhamos que estar lá também com antecedência e assim foi. Fui escolhida para estar no barracão mais bem tratado, espécie de quarto que a noiva estava prestes a deixar, rumo a uma nova família.
No interior do barracão recebíamos comida preparada ao requinte para a noiva e suas damas, à moda do tempo. Lá comia-se tudo do melhor à moda do buffet de honra de hoje e à medida que os pratos eram levados para o grande barracão, aguçava-se o apetite de todas, menos o da noiva, que não parava de chorar até aos soluços.
Chegava à apreciada salada de alface de folhas verdes matizadas com o castanho a dar beleza às bacias também repletas de tomate e cebola fresca com muito branco e verde a ornamentar e um aroma característico de limão.
A Lena não aceitava nada do que lhe era sugerida a comer, seus olhos estavam vermelhos e inchados e não era para menos. Segundo uma das tias da noiva, aquele clima durava havia alguns dias. Não há conselheira alguma que conseguia calar a pobre Lena, muito menos convencê-la a viver de uma forma diferente, um dos momentos mais bonitos e históricos da sua vida.
Se fosse nos dias de hoje facilmente teria tentado contextualizar o seu comportamento no fenómeno dos casamentos prematuros e/ou forçados. Mas nada disso se falava como agora e, se calhar, não se chegaria a pensar nisso uma vez que a Lena se revelava uma jovem que sabia o que faz.
Lá chegou o derradeiro momento. Era preciso deixar o barracão para uma tenda improvisada entre os cajueiros, ao som de cânticos de alegria da família que não se poupou aos ensaios para abrilhantar a festa. Não há quem não quisesse ver a noiva a emergir, dentro de um lindo vestido de noiva à moda daquela cerimónia.
De olhos semi-fechados e inchados, aos “minkulunguana” lá foi juntar-se à sua alma gémea. Ao que pude saber, mais tarde, não era um indivíduo a ela estranho. Afinal, já se conheciam e não foi nenhuma daquelas relações arranjadas à moda antiga, em que a noiva partia para a nova família sem sequer conhecer o seu futuro esposo.
Mas porque ela chorava tanto se todos estavam radiantes e ávidos de testemunhar aquele momento? A festa tinha sido preparada até ao requinte pois, o seu pai, antigo trabalhador das minas da África do Sul, esmerara-se para proporcionar uma festa sem igual à sua primogénita.
Estava tudo preparado e só faltou apenas um conservador para validar a relação perante o Estado moçambicano, pois segundo disseram, tratava-se de muthimba, um tipo de casamento que mesmo contemplando tudo, não previa a figura do conservador, para registo civil. E assim foi o casamento da prima Lena.