ANABELA MASSINGUE – (anmassingue@gmail.com)
PODE parecer descabido introduzir o “xitique”, poupança rotativa normalmente envolvendo dinheiro, quando o assunto é alimento, no caso concreto o pão.
Mas quis o destino que testemunhasse algo similar em relação ao consumo do pão, num dos postos de venda lá do bairro onde passei a minha infância. Foi num contexto inusitado, marcado por uma crise económica, em plena guerra civil que desestabilizava muitas regiões do país, e uma seca severa, à mistura.
Para o conhecimento dos mais novos, nalgumas comunidades o pão não era consumido diariamente tal como acontece hoje, desde que haja dinheiro. No período a que me refiro, mesmo com dinheiro na algibeira, em muitos casos, não havia como comprar o pão, porque este produto do trigo rareava.
Assim, à moda da organização dos bairros, divididos em quarteirões, havia rotatividade até na compra de produtos alimentares incluindo o pão. Nas cooperativas de consumo, a melhor gestão para contemplar a todos era feita fraccionando os consumidores por quarteirões.
O direito à compra seja de produtos de mercearia, seja do pão era definido pela comissão que retalhava os quarteirões por ordem numérica e escolhia-se as famílias contempladas numa determinada remessa fixando-se os números numa pauta improvisada na parede da Cooperativa de Consumo.
Ali todos tínhamos que ir consultar e saber se éramos os felizes contemplados ou não. A expressão facial dos felizardos, não diferia da dos alunos e ou estudantes depois da pauta dos exames finais.
Este exercício, acontecia também em relação ao pão que era vendido em quarteirões e em quantidades constantes, independentemente do número do agregado familiar. Assim, a uma família com seis, dez ou quinze membros podia receber entre dois, quatro, ou mais pães, uma vez por semana, em função do número de quarteirões e também da extensão de cada bairro.
Os membros da comissão de venda do pão de cada quarteirão, tinham que ter a habilidade de fazer as contas entre o pão a vender, pelo número dos elegíveis e também de açambarcar, longe dos olhos dos outros consumidores para, posteriormente garantir a divisão com os seus parceiros de outros quarteirões, no fim de cada venda.
Desta forma estava garantido o consumo do pão em suas famílias pois, diariamente, cada comissão fazia o mesmo exercício passando, rotativamente, a mesma quantidade de pão aos parceiros.
Enquanto se vendia pão, era comum ver grupos ou indivíduos dispersos, como se nada tivessem a ver com o ambiente envolvente, quando na verdade esperavam ao primeiro sinal, para receber o que lhes é devido.
Era um exercício de sobrevivência no qual passava o mais astuto, que estivesse próximo dos recursos, por via da confiança, conferida pela maioria. Era penoso mas também necessário para a sobrevivência.
No posto de venda de pão, localizado na cooperativa lá do bairro 11 da cidade de Xai-Xai, os encontros nem sempre terminavam bem, pois há quem podia regressar à casa sem pão, e outros que conseguiam até de mais para fazer o “xitique” e garantir que este não faltasse à mesa.