30.5 C
Maputo
Sexta-feira, 29 - Março, 2024

Num Val’Pena: O temível currículo do “Só Dotori”!

+ Recentes

REFLEXÕES DA MUVALINDA: S...

Negócio de pedra denuncia...

Médicos pedem melhoria da...

SEGUNDO A ORDEM DOS ADVOG...

Leonel Abranches

CORRIA o ano noventa e nove já quase adentrando para 2000. As teorias kamikazes do fim do mundo eram notícia em todas esquinas, principalmente naquelas onde o álcool mandava e comandava.

 Fervilhavam profecias, algumas forçadas de eventos bíblicos, que davam como certo o ano 2000 como o princípio e fim da humanidade.

“- A malta vai bazar em 2000, toutadizer…” – assim me garantia o pérfido segurança de uma instituição dos registos e notariado, enquanto tentava organizar uma fila enorme.

“- Não valapena se zangarem uns com os outros, vamos viver o máximo o pouco tempo que temos na terra…” – o homem teimava com as sua teorias do Apocalipse e de permeio citava umas encardidas passagens bíblicas de uma seita qualquer. Ajuntou as profecias religiosas sobre o fim do mundo a uma pseudo-teoria científica que fazia prever o impacto de asteróides contra o planeta terra, de que resultaria uma explosão de magnitude inimaginável, arrasando por completo tudo e todos. Seres vivos. Racionais e irracionais.

“- A ´malta vamos´ ser fulminados e queimados ferozmente por um grupo de asteróides e será o fim da nossa peregrinação na Terra…”

– o tipo falava com uma segurança impressionante. Era como se ele fosse o guardião do relógio do Apocalipse. Falava de passagens bíblicas com uma oralidade quase profética, dir-se-ia que dialogova com Deus directamente, assim tipo amigos e confidentes. Como se um dia tivessem sido colegas de carteira. E a malta na fila não queria outra coisa senão os serviços notariais, mas tínhamos de nos sujeitar às narrativas apocalípticas do homem. Fomos ouvindo o profeta do caos, até que surgiu uma personagem “sui generis”. Um homem de meia idade, com uma fatiota que cruzava tons de creme e amarelo, uma gravata de um colorido berrante e com o nó aberto à altura do peito. Com ar pesado e carregando uma pesada e desbotada “James Bond” no braço esquerdo, o tipo planava com uma extraordinária e geométrica cadência. O pesado aro dos óculos e barba desorganizada faziam antever tratar-se de um gajo que “marra” muito e não tem tempo para si mesmo. O homem foi passando pela fila quase que em “slow motion” e sem se importar com os olhares incrédulos e reprovadores de quem estava a cumprir normas e regras de disciplina e organização. Alguém teve coragem de o interpelar de forma grotesca, mas sorrateira:

“- Senhor, é bicha aqui…! Começa de laaa atrás…” – o tipo nem sequer se deu ao trabalho de responder. Continuou a planar em “slow motion” em direcção ao atendimento. Parecia uma sinistra nave espacial. Um dos bichantes questionou ao segurança-profeta por que razão não tomava atitude. A resposta não podia ser mais evasiva e desconcertante:

“- Yhuuuu! Às tantas pode ser um camarada ministro! Gente grande!” – e continuou a orientar “malta nós”, mas já ninguém tinha pachorra para ouvir as balbúrdias do final do mundo ensaiadas a partir de fundamentos obscuros. Meia hora depois a sinistra personagem abandonava as instalações do notariado. Do balcão de atendimento ainda ouvimos uma voz metálica e soturna de uma funcionária despedindo-se romanticamente do homem:

“Até outro dia só doutor. Passe bem!”  – E depois o estridente anúncio:

“- Próximo na fila fachavor”. Só doutor já tinha sido superiormente atendido. Desceu as escadas calma e cadencialmente. A “James Bond” desta vez estava no braço direito e o casaco pendurado no antebraço esquerdo. Dobrou a esquina e sumiu.

O segurança-profeta assomou pela porta e triunfalmente informou:

“- Pessoal, aquele gajo é um grande doutor. Tão a ver aquela “James Bond”? Ali só tem currículo dele. Vinha autenticar. Porra, trinta páginas pah. Yah, o gajo foi à escola mesmo.”

E pensei para com os meus botões:“- Os asteróides estão mesmo a chegar. É o fim do mundo…”

- Publicidade-spot_img

Destaques