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Terça-feira, 26 - Março, 2024

Xigoviya: Ermelinda

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Artur Saúde

TERMINÁVAMOS de jantar. Eu e meu pai estávamos sentados à mesa. Meu pai lia um jornal. Eu revendo as lições do dia. Estávamos em Magude. Minha mãe estava sentada na esteira, encostada à parede e com o meu sobrinho Chiquinho deitado ao lado. Inesperadamente levantou-se da esteira bruscamente e consigo o Chiquinho, tendo, também, nos pregado um grande susto. Ela descobriu que um escorpião sorrateiramente havia entrado debaixo da porta. O escorpião foi em direcção a ela, entrando debaixo da esteira. Imediatamente foi à cozinha buscar um pilão que entregou-o ao meu pai que tratou de esmagar o bicho. Minha mãe pegou no animal e queimou-o de imediato no quintal. Só depois do escorpião queimado é que exclamou, dizendo o seguinte: “Vizinha, só por ter dito que nunca vira um escorpião preto que a senhora decidiu mandar o bicho para me morder? Na verdade, a senhora vizinha, esposa dum colega de serviço do meu pai, estivera realmente em casa e tinha estado muito tempo a conversar com a minha mãe. Entre muitas coisas abordadas, a mamã tinha dito ingenuamente que nunca tinha visto um escorpião preto. A partir desse dia as relações entre ambas afrouxaram muito. Isso marcou-me tanto a tal ponto de não gostar deste bicho. Até hoje. Há dois anos, o senhor Jossefa, meu antigo colaborador, meu guarda, depois da sua jornada de trabalho, foi à sua casa de banho de caniço localizada no quintal. Como já fosse escuro, quando as gotículas de água buscadas do pequeno recipiente começaram a molhar o chão, um escorpião mordeu o pé esquerdo do senhor Jossefa que saiu imediatamente gritando. Quis-lhe acompanhar ao hospital e ele negou. No entanto, apenas me pediu que o acompanhasse a Ngangalene, Maciene, sua terra, na manhã do dia seguinte. Transportei-o, conforme o combinado, com muita dificuldade na minha viatura. O pé inchado não permitia muitos movimentos. Mesmo assim chegamos a Maciene, tendo estacionado o carro a uns quinhentos metros da casa já que não havia condições favoráveis de acesso. Ligámos para esposa que veio ao nosso encontro imediatamente. Antes de pedir um “txovaxitaduma” para o transportar, começou a ralhar com o marido, insultando-o de qualquer maneira, questionando que tipo de homem era ele que em criança não havia sido “vacinado tradicionalmente”, contra todo o tipo de répteis venenosos. Quer dizer, para a senhora, essa vacina era um ritual tão obrigatório que era inconcebível que o Jossefa, a ir aos sessenta anos de idade, não tivesse passado por isso. Ela viveu tanto tempo com o marido sem que soubesse que vivia nesse desconhecimento, até ao dia em que o acompanhei. Regressei e dois dias depois o Jossefa reapareceu na minha casa com o pé recuperado como se nada tivesse acontecido. Disse-me que havia sido a dona Ermelinda que o havia curado por conta duma pequena vacina, que consistira em rasgar uma pequena parte da pele junto do local da mordedura, metendo uma porção de medicamento obtido do pó duma árvore da selva. Ela tornou-se muito famosa em Ngangalene. Semana passada soube que a mulher doutro meu colaborador, o Muianga, havia sido mordida por um escorpião. Aflita, ligou para o marido dando-lhe a má notícia. Muianga não teve outra saída, tanto é que se encontrava na jornada semanal de trabalho, tal como havia estado Jossefa, no dia em que sofrera a mordedura. Pediu-me que deixasse o que fazia para ir comprar a recarga do telefone a fim de ligar para a esposa, dando-lhe a recomendação de ir ter com a dona Ermelinda. Assim fez e soube que ela já está melhor. Pagou apenas duzentos meticais pelo tratamento. Ermelinda cura as pessoas pelo bem que sempre quis transmitir aos outros, pois mesmo os valores cobrados foram pela insistência do chefe da localidade já que ela não queria. Ela é camponesa, daí que passa a maior parte do tempo na machamba, levando uma vida muito humilde. Ela cura as pessoas quando lhe solicitam. Já há vários anos. Recentemente fui a Maciene para conhecê-la pessoalmente. Recebeu-me no seu quintal e serviu-me a pouca mandioca que reservara para o jantar desse dia. Conversámos muito tempo até me despedir ao fim da tarde daquele sábado. Voltei satisfeito para casa por ter convivido com uma senhora que vale pelo coração, embora reconheça as precauções que se devem ter.

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