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Xigoviya: “Manave”

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Artur Saúde-artusaude3@hotmail.com

DEPOIS de concluir a sexta-classe, na escola local da aldeia Ngangalene, em Maciene, Chongoene, em Gaza, António Manave preferiu aventurar para as minas da África do Sul à busca de emprego para ajudar o pai no sustento dos nove irmãos.

Foi uma decisão tomada após perder o seu primeiro emprego como guarda de segurança numa pequena ferragem da vila, que cresce na zona do “Senta-baixo” no cruzamento entre a Estrada Nacional número Um e a que vai para o distrito de Chibuto.

Na África do Sul trabalhou primeiramente numa farma em Mpumalanga a partir da qual, três anos depois, viria a trocá-la com a profissão de carregador e descarregador de mercadorias numa mercearia, algures em Benoni.

Para trás não tinha deixado muita coisa. Deixou uma carrinha “Isuzu”, caixa aberta, comprada de forma barata a um mineiro quando ainda trabalhava na ferragem.

Ela já não circulava desde a altura em que foi para a terra do “Rand”. O carro estava debaixo duma frondosa mafurreira, protegida do sol e da chuva por meio de uma lona, que o seu pai ficou a cobrir depois da ida do filho.

Com a seca e a chuva a não cair na machamba, limitaram-se às fontes e reserva alimentar de sobrevivência da família, a tal ponto de os pais telefonarem para o filho, sugerindo que se vendesse o carro a fim de se superar a fome que se abatia. “Podem, sim vender o carro”, disse um dia, respondendo ao telefone e tratou, dias depois, de informar o preço do carro entre outros procedimentos que se observariam durante o processo de compra e venda, respectivamente.

Na verdade, com a ajuda de um dos sobrinhos, conseguiram vender a “Isuzu” ao senhor Gonçalves Macia. Os pais informaram o filho e este orientou-lhes no que fazer com parte significativa do valor que ainda restava, mesmo depois de se fazer a reserva para a alimentação caseira.

A venda aconteceu em Novembro de dois mil e vinte e um, pois recordo-me que o António Manave veio logo no mês seguinte, portanto em Dezembro para passar as férias e as festas do natal e fim de ano, em Ngangalene, perto do “círculo”, em frente da sua casa.

Infelizmente, quando regressou ao trabalho não durou muito tempo, porque viria a morrer doente . Os seus serviços formalizaram os procedimentos para a transladação do corpo e semanas depois foi enterrado, numa cerimónia muito concorrida, no cemitério familiar. Porém, um ano após à sua morte e depois da realização da respectiva missa anual em sua memória, Gonçalves Macia nunca mais encontrou sossego, uma vez que constantemente se queixava de sonhos esquisitos, envolvendo o falecido António Manave, que pedia de volta o seu carro “Isuzu” e que se tal não acontecesse urgentemente,“não se responsabilizaria do que eventualmente pudesse acontecer na sua família”.

Cansado de viver desse jeito, acabou decidindo reunir a família, informando o que acontecia. A família, por sua vez, aceitou que se devolvesse imediatamente a viatura, ainda que não se devolvesse o dinheiro. De facto, isso aconteceu, mas só três meses depois, com o receio de perder tudo. Começou a ter inchaço nos dois pés, uma doença que se tornava cada vez mais incurável e inexplicável. Das voltas dadas para obter as causas junto dos curandeiros da zona, viria a saber que era o antigo dono do carro a exigir a sua viatura. Logo que soube disso, Gonçalves devolveu o carro e na mesma noite morreu. Foi uma profunda indignação na aldeia e com os pais de António a sofrerem todo o tipo de ameaças e acusações de feitiçaria. O clima foi se tornando tenso, a cada dia que passava, uma realidade tão incómoda para os pais que até pensaram em abandonar a aldeia.

O que me intriga é que o cenário de revolta separou as pessoas, empurrando a solidariedade para além. Desconfiança acentuada entre os aldeões.

Recentemente revisitei a aldeia e soube que uma família não conseguia transladar o corpo do seu sobrinho, que também trabalhava na África do Sul. Não conseguiam trazer de volta o corpo porque a família não dispunha de um único tostão no bolso para tal. Estão a tentar vender um congelador e uma geleira, comprados pelo finado em tempos, e não conseguem porque as pessoas dizem que não querem sofrer por isso. A família continua aflita.