Segunda-feira, 18 Novembro, 2024
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BELAS MEMÓRIAS: O ovo não se parte, pai!(1)

Por Anabela Massingue
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“… TODAS as pessoas que escalam o povoado de Nhametane, idas da cidade de Maputo, são assim, sobretudo mulheres e crianças: Pele macia, dedos lindos com as unhas pintadas de verniz. Seus pés parecem de um recém-nascido que nunca pisou o chão, descalço… é assim mesmo que eu também vou ficar quando passar a viver em Maputo proximamente, tal como me prometeu o tio Damião”, pensava Vadinho, um adolescente desta zona rural da província de Gaza.

Os dias se seguiram e chegou o dia mais esperado, o da sua partida em busca de novas oportunidades de vida. Restava apenas encontrar-se com o tio Damião, primo de seus pais que há bastante tempo vive em Maputo. O que todos não sabiam era o tipo de trabalho que ele realizava.

Vadinho preparou a sua humilde pasta de saco sintético, o chamado “paper bag”. Encheu-na do nada que tinha como vestuário. Seu coração não doía por conta das privações pois sabia que, uma vez em Maputo e a trabalhar, teria mais roupa tal como a têm os que normalmente aparecem no seu povoado, idos da capital do país.

Na paragem de transporte semi-colectivo de passageiros, na Estrada Nacional número um, os seus olhos cintilavam e o coração palpitava rápido, cada vez que um autocarro ou mini-bus parava, tanto para o embarque como para desembarque de passageiros.

Muhetane passava a ser o seu entreposto, pois foi nesta paragem que o tio Damião o recebeu das mãos dos progenitores, ávidos de terem um filho que ainda em tenra idade pudesse ter um rendimento e contribuir na família.

Ele desconhecia o seu El-dourado. Dezenas de minutos depois, chegava a vez de começar a marcha rumo aos sonhos do Vadinho, com a chegada de um autocarro da província de Inhambane, concretamente Inhassoro. Ele conseguiu ler o letreiro no vidro para-brisas, momentos antes do embarque.

Já em Maputo, cansado da viagem e cheio de fome, Vadinho escalava a terra prometida, a casa da Madú, nada mais nada menos que uma agência informal de recrutamento de mão-de-obra infantil para diversos trabalhos.

Entre os que saem daquela casa, encaminhados para os seus “empregos”, existem os que ficam como empregados de casa e, invariavelmente, partem todas as madrugadas para a labuta.

Parte destes já conhece todos os cantos da cidade, porque vem fazendo quilómetros do amanhecer ao pôr do sol.

Vadinho não se importava de tanta coisa estranha que o rodeava naquele recinto. Em casa dos pais dormia numa palhota sem divisão, mas com toda a privacidade do mundo. No novo “habitat” as coisas mudam de figura quando começa a dormir com dezenas de petizes no mesmo espaço. Alguns ainda estavam na fase de não conciliar o sono e a urina. Tudo acontecia em simultâneo e isso gerava um cheiro nauseabundo que irritava aos demais. Mas o “quarto” era somente aquele para todos.

Três dias depois o garoto já era escalado para o tão esperado trabalho. Enquanto os outros carregavam baldes de fritos diversos, desde “russian, palony”, ovos, argolas, gulabos etc., ele passava a carregar um balde de ovos cozidos: este era objecto do seu trabalho, daquele dia em diante.

Os ovos eram tantos que ele não sabia o total, senão a tia Madú, que mesmo sem os contar, tinha a ideia das dúzias com que se enchia um balde de 10 litros e o que isso significava, em termos de valor e de lucro.

Chegada a hora de partida, Vadinho foi instruído a seguir com os mais experientes. Enquanto uns andavam a pé do Benfica à Junta, passando pelos bairros de Jardim e Inhagóia, a ele coube a sorte de seguir de chapa até um ponto intermédio, algures no Alto Maé. A ideia era dali começar a vender ovos cozidos até à zona do Museu, na Polana, percurso que faria enquanto o produto não esgotasse.

O que Vadinho não sabia é que não teria nada para comer, apesar de tanto esforço por fazer, caminhando, e que nenhum ovo sequer serviria para esse fim.(…)

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